O ponto de vista de Kant
ideia de uma história universal
do ponto de vista cosmopolÃticoA Entendo aqui por antagonismo a insociável sociabilidade dos homens, ou seja, a sua inclinação para entrar em sociedade, inclinação que é contudo acompanhada de uma repulsa geral a entrar em sociedade, que ameaça constantemente desagregá-la. O homem possui uma tendência para se associar, porque assim
se sente mais do que homem, ou seja, sente o desenvolvimento das suas disposições naturais. Mas também tem uma grande tendência para se separar, porque ao mesmo tempo, encontra nele próprio esse atributo
que é a insociabilidade, em querer organizar tudo sozinho
segundo o seu humor: e daí, espera [encontrar]) resistência por todo lado, porque sabe, por si próprio, que também
ele está inclinado para resistir aos outros. E nessa altura que acontecem os primeiros passos da incultura até a
cultura, cultura que repousa sobre o valor intrínseco do
homem, [ou seja] sobre o seu valor social. Então, a partir daí, desenvolvem-se progressivamente os talentos, forma-se o gosto, e, por um progresso contínuo das Luzes, emerge um modo de pensamento que pode, com o tempo, transformar a grosseira disposição ao discernimento moral em princípios
práticos determinados; e assim, transformar enfim um acordo
patologicamente arrancado na formação de uma sociedade de plena moral. Se não existisse essa insociabilidade, atributo de conotação
pouco amável, de onde provêm essa resistência
que cada um tem necessariamente de encontrar nas suas pretensões egoístas, todos os talentos ficariam escondidos nos seus embriões, para a eternidade, numa vida de pastores de arcádia, na perfeita concórdia, na temperança e no amor recíproco. Os homens, inofensivos como os seus cordeiros a pastar, não
dariam mais valor à sua própria existência do aquele que dão aos seus rebanhos, não preencheriam
o vazio da criação com vista à sua finalidade, como natureza razoável. Agradeçamos então à natureza, por essa incapacidade de nos suportarmos, por essa vaidade invejosa de indivíduos rivais, por o apetite insaciável de posse mas também
de dominação! Sem isso, as excelentes disposições ficariam adormecidas eternamente na humanidade, ao estado de simples
potencialidades. O homem quer a concórdia, mas a natureza sabe melhor aquilo que é bom para a sua espécie:
quer a discórdia. O homem quer viver à vontade e de forma agradável, mas a natureza quer que ele esteja na obrigação de se precipitar fora da sua indolência e da sua temperança
inactiva para o trabalho e os esforços, para também, todavia, obter de volta um meio de se livrar deles inteligentemente. As desculpas naturais, as origens da insociabilidade e da resistência
geral, de onde vêm tantos males, mas que provocam sempre, porém, uma nova tensão das forças e suscitam
assim um desenvolvimento mais importante das disposições naturais, traem então a ordenança de uma sábio
criador, e não como quem diria a mão de um espírito
maligno que tivesse amarrotado a sua magnifica obra ou a tivesse corrompido de forma invejosa. Porque é apenas na sociedade, e na verdade, na sociedade que tem a maior libertade e goza então de uma antagonismo
geral entre os seus membros, e que todavia determina da forma mais estrita e garante os limites dessa libertade, de maneira a que esta se mantenha com a libertade dos outros, porque é apenas nessa sociedade que a intenção suprema da natureza pode ser atingida, ou seja o desenvolvimento, na humanidade, de todas as suas disposições, e porque a natureza também
quer que a humanidade esteja na obrigação de aceder por si própria a esse estado como a todos os fins do seu destino; assim, é preciso que uma sociedade em que a libertade, sob leis exteriores, se encontrará ligada ao mais alto grau possível à uma potência irresistível,
ou seja uma constituição civil perfeitamente justa, seja a tarefa suprema da natureza para a espécie humana, porque a natureza não pode fazer com que resultem bem os seus outros desígnios, com a nossa espécie, sem encontrar primeiro o meio de realizar essa tarefa e sem a executar.
é o sofrimento que obriga o homem, por outras palavras, tão
desejoso de libertade natural, a por o pé nesse estado de coacção; e, para dizer a verdade, esse é o
maior sofrimento, aquele que os homens trazem uns aos outros, as suas tendências fazendo com que não consigam ficar
muito tempo uns ao lado dos outros, em libertade selvagem.
é apenas num espaço cercado, tal como o da sociedade civil em que as mesmas tendências produzem depois o melhor efeito, assim como as árvores, por cada uma procurar tirar à s outras o ar e o sol, obrigam-se a procurá-las por cima umas das outras, e daí, adquirem um belo crescimento direitinho, enquanto as que estão em libertade e separadas umas das outras, deixam os seus ramos crescer à vontade, e crescem
tortos e de lado. Toda a cultura, toda a arte que orna a humanidade, a mais bela ordem social, são os frutos da insociabilidade, que, por si própria, está obrigada a disciplinar-se e assim a desenvolver-se completamente, por uma arte extorquida,
os germes da natureza. Podemos considerar a história da espécie humana, no seu conjunto, como a execução de um plano escondido na natureza, para realizar, no interior, e com esse objectivo, também no exterior, uma constituição política perfeita, sendo a única maneira para ela de poder desenvolver completamente na humanidade todas as suas disposições. «
Ideia de uma história universal do ponto de visto cosmo-político » Kant environnement
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