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filosofia dos transgressivos

evolução do homem ao humano

allan kaprowA necessidade

A humanidade está destinada a atingir a sua perfeição

Revoltado com a presença do « mal » (pelo « escândalo do mal » segundo Paul Ricoeur) assombrado pelos horrores do século passado e a sua persistência neste século, o pensamento actual tem tendência para tentar apagar o papel dessa « força negativa » na evolução positiva da humanidade.

No entanto, o mal é a dimensão sem a qual o bem não poderia existir… trata-se da força obscura, sem a qual a justiça, o direito e as leis não poderiam evoluir.
Por isso, é necessário reflectir sobre o problema da transgressão, necessário de perceber o significado profundo do mal, se queremos perceber o verdadeiro propósito da nossa evolução.

Designo por « transgressivo » qualquer indivíduo que infringe as grandes leis morais, éticas ou cívicas de uma sociedade.
Obviamente que não estamos a falar de morais e éticas partidárias, favoráveis para um grupo e desfavoráveis para outro. Entendemos o conceito de morais no seu sentido universal, morais capazes de responder à definição proposta por Kant: « Age de tal maneira que a máxima da tua vontade possa ser erguida em lei universal ».

Um homem pode então transgredir a moral ou a ética humana, ao mesmo tempo que se mantêm dentro dos limites da lei.
é , por exemplo, o caso do empregador que paga o valor do salário mínimo legal ao seu pessoal, sabendo que isso lhes permite apenas sobreviver. Também é o caso do homem riquíssimo que desvia o olhar perante a miséria. Afinal, é o caso de todo o egoísmo legal.

Apesar do mal, sob certos aspectos, ser um dos motores do bem, obviamente que não é caso para o valorizar ou o aceitar tal como está sem o combater, com o pretexto de que ele é fundamental para a evolução humana.

Simplesmente, se queremos agir com a maior eficácia sobre esses efeitos negativos, temos de perceber as suas causas em vez de tratarmos unicamente os seus efeitos.

Torna-se então necessário, para a nossa humanidade, se ela se quer tornar consciente, decifrar todos os mecanismos que permitem que indivíduo abuse os seus semelhantes.

O paradoxo do mal

o transgressivo

colonisationEstamos então na presença de um estranho paradoxo

« Só aquele que percebe a beleza do perdão é que é capaz de julgar os seus semelhantes. » Sócrates

Quando observamos, sem afectividade, a organização humana, o transgressivo aparece-nos como um dos actores necessários para a evolução da justiça, do direito e da lei.

Se a presença do transgressivo representa uma necessidade para a evolução da humanidade, a sua condenação também o representa.

Estamos então na presença de um estranho paradoxo:

mal e transgressivo são necessários ao mesmo tempo que são necessariamente condenáveis.

De facto, são necessários para obrigar o bem a evoluir, e necessariamente condenáveis por reduzir a influência do bem.

Essa necessidade é colossal, porque se trata de melhorar a nossa compreensão da transgressão, melhorar os nossos sistemas de educação e de punição.

  • Temos de por em dia todas as motivações que levam um ser humano a transgredir os limites morais, éticos e jurídicos da humanidade.
  • Temos de melhorar as condições de detenção para finalmente cessar de piorar as situações.
  • Temos de melhorar os nossos ensinamentos do respeito pelos outros, no sentido universal da palavra, e alargar esse ensinamento à humanidade inteira.
  • Temos de permitir aos delinquentes utilizarem o seu potencial para um objectivo positivo.
  • Temos de transformar a prisão num sítio de desenvolvimento afectivo, intelectual, criativo.
  • Temos de oferecer um apoio psicológico eficaz para resolver esses problemas de infância que levam sempre o delinquente para a delinquência
  • Temos de permitir aos transgressivos que aprendam a gerir as suas pulsões agressivas ou abusadoras para transformar a energia vital negativa em energia positiva e construtiva para a humanidade.
  • Temos também de denunciar e criticar com mais vigor as transgressões « legais » utilizadas pelos dominantes para escravizar os dominados.

Apesar da presença do transgressivo ser uma necessidade para a nossa evolução, a sua condenação efectiva ou moral também o é, e também serve para orientar essa evolução para o « bem » da humanidade. John Stuart Mill, o grande pensador do liberalismo, tinha percebido muito bem essa necessidade quando escru: « Se alguém comete um acto que prejudica os outros, há uma razão prima facie de o castigar, pela lei, ou por meios em que penas legais não se aplicam sem perigo de desaprovação geral. »: A desaprovação geral está ao cargo dos mídia. Aos mídia é que compete por exemplo vigiar e denunciar os abusos de certos homens de negócios nos países subdesenvolvidos, as ditaturas dos países pobres, os abusos cometidos pelas celebridades, etc. sem se preocupar com os interesses de uns e de outros, para que regrida, em vez de aumentar, esse tipo de transgressão autorizada, e para permitir aopovo não considerar o abuso dos outros como algo normal.

Nenhuma transgressão do ficar impune ou sem explicação dada ao seu autor. Apenas com essas condições é que a humanidade pode progredir para cada vez mais humanidade e não regredir para mais animalidade.

é também a única condição para que o transgressivo seja, ao mesmo tempo, um agente criador de « bem » e o instrumento da sua própria extinção.

História da transgressão.

Pouco a pouco

Prisoné preciso « todos » para fazer um mundo.

Podemos esquematizar a criação e a evolução dos interditos da seguinte maneira:

a/ Os nossos interditos culturais nascem do sistema instintivo do primata natural ao qual pertencíamos na origem. Nessa época, representavam interditos naturais (manifestações agressivas em caso de sentimento de abuso, cessação da agressividade do dominante perante a demonstração de atitude submissa do subordinado, etc.).
b/ Desse interditos instintivos, nasceram todos os nossos interditos-tabus, leis morais, leis laicas.
c/ Para satisfazer os seus desejos e pulsões, os transgressivos infringem essas leis ou esforçam-se por contorná-las.
d/ Dessa forma, obrigam os legisladores a criar novas leis para se opor aos seus comportamentos, ou seja, levam o direito e a lei a desenvolverem-se.
e/ O conjunto desses mecanismos restringe cada vez mais a capacidade humana de abusar dos outros.

Por esse trabalho conjunto do transgressivo e do legislador, as leis laicas foram aumentando até ao actual código penal que, em teoria, permite proteger o fraco do forte todo-poderoso.
Pouco a pouco, aperta-se a rede sobre a libertade de transgredir.

Há alguns milénios, os dominantes tinham todos os poderes sobre os dominados.

Graças a progressão do direito, um arsenal preciso de leis restritivas permite agora condenar uma grande parte dos abusos que o passado legitimava.

No entanto, mesmo se a evolução do direito dá os seus frutos, a legislação e o comportamento humano ainda não conseguiram atingir a sua perfeição.

Ainda existem meios legais de abusar dos nossos semelhantes, e o psiquismo humano ainda não atingiu níveis capazes de respeitar perfeitamente os outros.

Em direcção ao respeito

absoluto pelos outros

Jean jacques rousseau, buste peinture Todavia, a destino dos homens está sempre a melhorar. A intensidade da violência, a frequência e a impunidade do forte sobre o fraco diminuem constantemente.

e assim, século após século, o nosso instinto primário original (aquele que condena o nosso primo macaco a afirmar-se em detrimento dos seus semelhantes) perde influência para deixar crescer valores humanos novos, tais como a justiça, a entreajuda, o amor, o respeito pelo próximo…

Transformar um ser condicionado à afirmar-se em detrimento dos seus semelhantes num ser totalmente respeitoso dos outros, aqui está, segundo pensamos, o papel da humanidade construtora.

Ao centro dessa evolução, a actividade do transgressivo também encontra a sua lógica.

Torna-se então necessário incorporar o conjunto dos « defeitos » que herdamos da nossa natureza primária e primata ao conjunto de ferramentas de construção para a perfeição.

Em resumo, para chegarmos ao estádio em que o homem será um cordeiro para outro homem, o homem tem infelizmente, por vezes, de ser um lobo para outro homem (Ver Kant sobre esse assunto).



obrigação

gandhi, photo de portrait

« Aliar a mais firme resistência ao mal à maior tolerância para com o malfeitor. Não existe outro meio para purificar o mundo. » Gandhi