A ilusão de evoluir para pior
Filosofia e pessimismo
Não é o mundo que está cada vez pior : é sim a nossa sensibilidade ao mal que progride.
Pessimismo: Doutrina
que afirma que o mundo é mau ou que na vida, o mal vence sempre sobre o bem. Tendência ou disposição
para ver apenas o que há de mau no mundo. O pessimista profetisa que na natureza da vida, o mal vence sempre sobre o bem; mais geralmente, é sempre levado a ver apenas o lado mau das coisas (do dicionário Petit Robert). A humanidade esta destinada A atingir a sua perfeição, este é o tema da nossa reflexão.
Ao contrário
desta visão optimista do futuro humano, encontramos obviamente pontos de vista diferentes:
a/ Algumas pessoas consideram a humanidade estacionária, e o homem destinado a ficar sempre um LOBO para outro homem.
b/ Outras pessoas imaginam que a humanidade está em REGRESSÃO
para pior, destinada à sua própria destruição. Não dispondo de nenhuma sondagem precisa, e ficando pela minha única experiência, diria que a maioridade humana situa o seu ponto de vista do lado do optimismo. Apesar dos desastres gerados pela venalidade do homem e de todos esses receios espalhados
pelos mídia, a fé numa evolução
positiva parece mais natural ao espírito humano do que o
contrário.
Pessimismo e filosofia
« O pessimismo tem a ver com humor;
o optimismo, com a vontade. » Alain «
Propos sur le bonheur » As teorias e as teleologias pessimistas parecem relativamente raras na área da filosofia. As que se aproximas do pessimismo, não só contestam
a ideia de Deus, como ainda não se interessam à finalidade humana. Até as DOUTRINAS ATéIAS, quando propõem
uma finalidade à humanidade – como é o caso
do marxismo – ou quando utilizam a responsabilidade como
motor da sua reflexão – como é o caso do existencialismo – dm
ser interpretadas do lado das optimistas. 1/ Os sofistas Podemos encontrar algumas formas de pessimismo em
certos pontos de vista SOFÍSTICOS. De facto, para alguns sofistas, tudo vale a mesma coisa, o bem como o mal. Dessa maneira, a razão não se pode apoiar sobre realidades claras para afirmar certas verdades. Não
existe nenhum absoluto, nenhuma virtude que se deva ensinar. Não
existe nenhuma norma universal e intemporal para guiar a acção, nenhuma ancora bastante sólida para se amarrar e evitar
visões absurdas do mundo. Ã
primeira vista, esses argumentos parecem incontestáveis.
De facto, é fácil afirmar, por exemplo, que as vezes,
o bem faz mal e o mal faz bem. Porém, na realidade, esses argumentos são perversos e incompletos. Efectivamente, mesmo
que o bem e o mal sejam indispensáveis para a evolução
da humanidade (o que os torna equivalentes, em absoluto) o homem
tem o dr de escolher o seu campo e tem a obrigação
moral de escolher o campo do bem. Algumas argumentações sofistas permitem simplesmente justificar aquilo que não
tem justificação. é uma maneira ideal de « normalizar » atitudes abusadoras.
Até se trata do meio privilegiado utilizado pela perversão narcÃsica para se justificar. Porque de facto, se não
existe nenhuma norma universal suficientemente sólida para
guiar as nossas acções, é natural valorizar as atitudes primárias e abusadoras em vez de privilegiar
os grandes valores humanos (e é o que faziam certos sofistas). Para
a maior parte dos sofistas, o poder é uma questão
de força, e a felicidade uma questão de prazer. Em
resposta aos valores de Sócrates, a justiça, a verdade, a razão, os sofistas pretendem « dizer bem alto o que toda a gente pensa baixinho ». « A justiça é um
valor falso, toda a gente sabe que cometer injustiça sem
ser apreendido é uma coisa excelente. O que é bom, simples e natural, é o livre exercício da nossa própria força. Que os peixes grandes comam os pequenos, sem que os pequenos envergonhem os grandes. A lei perverte os verdadeiros valores da natureza e no meio disso, a democracia é pior do que tudo. »
«
Perante uma assembleia de crianças, o cozinheiro que elogia
a gulodice das crianças vencerá sempre sobre o médico
que apela à sua razão. » (Platão)
«
A verdadeira vida, a excelência humana, é deixar fluir livremente as nossas paixões, vivê-las plenamente.
Procurar sempre e por todo o lado o prazer e a sua maximização. » (Michel
Puech?) Só que o homem não se enganou
no meio dessas argumentações. Apesar de algumas tentativas
- compreensíveis mas desesperadas
- de certos filósofos sob influencia reaccionária
ao espiritual para restaurar o ateísmo sofístico, a humanidade parece desde sempre preferir os pensamentos filosóficos favoráveis à ideia de sentido (Sócrates, Platão, etc…) 2/ De Montaigne até Nietzsche Do lado dos
pensamentos pessimistas, poderíamos também
citar o ponto de vista individualista e céptico de Montaigne e o de Voltaire quando este se opõe à ideia leibniziana segundo a qual está tudo bem no melhor dos mundos. Alguns aspectos pessimistas podem ser detectados em Schopenhauer, em Nietzsche ou no existencialismo. Schopenhauer e Nietzsche apresentam
ambos o mundo como VONTADE. As suas conclusões alcançam, no entanto, dois conceitos diametralmente opostos: a/ Schopenhauer, desesperado perante uma VONTADE humana irresistivelmente decidida a afirmar-se em detrimento dos outros, preconiza o aniquilamento
individual dessa força instintiva. Como no hinduÃsmo
e no budismo (através da sua ideia do nirvana) o filosofo
de Dantzig propõe a mais pura e simples extinção
dessa vontade. b/ Nietzsche, pelo contrário, receia ver extinguir-se a vontade. Recusando a sua própria sensibilidade e introspecção
psicológica, combate a suavização dos costumes exercido pelo mundo espiritual e o desenvolvimento da psicanálise na sociedade. Essa negação de si próprio, leva-o a idealizar a força, o dominante natural, o aristocrata guerreiro, o
sistema de castas, etc… c/ Se a VONTADE DE potência (a
autoridade dos dominantes) foi, e ainda é sob certos aspectos, necessária para construir, não é uma finalidade. Está destinada a ser progressivamente substituída pela democracia, ou seja, a soberania dos dominados. d/ A vontade de potência gera prazer e não felicidade. Também está na origem de todos os sofrimentos pelos quais a humanidade passou. Como o homem aspira mais do que tudo à felicidade, a vontade de potência está destinada a desaparecer.
Por trás desse desaparecimento, estão a SABEDORIA, a INTEIRA espiritualIDADE – o despertar budista de que fala
Schopenhauer – o beatismo, o êxtase. Simplesmente, temos de deixar tempo ao tempo. Resumindo, Schopenhauer tem razão ao situar o nirvana no
ponto de desaparecimento das pulsões. Mas o homem d construir, e então precisa das suas pulsões. Fora raras excepções,
o nirvana é previsto para mais tarde. Nietzsche tem razão ao pressentir a emergência da
sensibilidade, apesar dessa não ser ameaçadora. Estudados separadamente, e de modo básico, esses dois pontos de vista estão no limite do extremo, e parecem dificilmente
criadores duma visão optimista do mundo. O ponto de vista de Nietzsche é de certa forma
um regresso arcaico para as aristocracias gregas e romanas. O ponto
de vista de Schopenhauer é demasiado
progressista, quer impor no presente uma finalidade que se d construir pouco a pouco. Também se encontra uma certa forma de pessimismo nas ondas existencialistas, quando essas reduziam
o seu campo de visão
ao indivíduo sem se preocupar com o futuro da humanidade no seu conjunto. Essa concepção encolhida colidia
forçosamente com o absurdo e então com o pessimismo. Mas finalmente, esses pensadores não podem ser propriamente considerados como verdadeiros pessimistas. O conjunto das suas obras não reflecte nenhum verdadeiro desespero perante a
humanidade. Traduzem apenas a sua hipersensibilidade natural – uma
das maiores qualidades do filósofo. Assim concluímos sobre os poucos casos de filósofos com alguma tendência para ideologias pessimistas. A maior parte do tempo, pelo contrário, os filósofos são optimistas. Confiam na natureza humana e projectam,
para o homem, horizontes alegres, e isso por vários motivos: a/ Por um lado, porque os autores se formam ao estudar outros autores cheios de entusiasmo, de curiosidade, de felicidade criativa, e isso desde as primeiras origens da filosofia. Sejam eles os milesianos,
os pitagóricos, Platão, Aristóteles, os epicurianos,
os estoicistas, os filósofos cristãos, judeus, muçulmanos,
budistas, todos os medievais, até Descartes, e depois Pascal, malebranche, Espinosa,
Leibniz, Berkeley, Hume e depois rousseau, até Kant, Hegel, Comte, Mill, Proudhon e Marx, e depois
Freud, Bergson, Theilhard de Chardin, Bachelard – para citar apenas alguns – todos acreditaram na humanidade e trabalharam
para ela, para a sua evolução. Todos, apesar dos sofrimentos, das contrariedades, das dúvidas, da abnegação, dos sacrifícios, encontraram na filosofia, não só as maiores alegrias das suas existências bem como um sentido
positivo para a humanidade inteira.
b/ E por outro lado, porque os filósofos são Homens, e a maior parte dos Homens vive com a intuição de um mundo melhor, com a esperança de um futuro positivo.
Por isso, o Homem, apesar de todas as mensagens pessimistas, assume sem fraquejar a sua descendência.
Pessimismo e humanidade
« Um homem que sofreu algumas decepções concebe um sistema pessimista do universo que o torna infeliz,
mas prefere mantê-lo do que reconciliar-se com o mundo sobre um novo
equilíbrio. » E. Mounier A maior parte da humanidade é optimista. O optimismo é o estado
de espírito que se harmoniza
melhor com o princípio da vida. Outra explicação
do optimismo humana vem do facto que uma maioridade dos indivíduos que compõem a humanidade é crente nalguma das grandes religiões – hinduísmo, judaísmo, budismo, cristianismo, islamismo, panteísmo. Todas estas crenças oferecem propósitos ao mundo
(lineares ou circulares) aos seus adeptos, e uma finalidade positiva
(individual ou universal). Essas religiões também
propõem um sentido a essas « presenças » tais como o sofrimento e a morte, que caso contrário poderiam
parecem aberrantes. O pessimismo, pelo contrário, contesta
essas respostas e considera o mundo como absurdo, desprovido de sentido. Porém, apesar de ser minoritário, esse pensamento
pessimista existe mesmo e representa um certo poder, para além
do número dos seus adeptas: a/ Pode tratar-se dum movimento
de revolta, quando seres humanos hipersensíveis ficam desgostosos perante a inconsciência, a surdez, o egoísmo, a compulsividade, e a atitude de clãs de certos poderes capazes das piores atrocidades para não perder nenhum privilégio
(trata-se então de um pessimismo « positivo », crítico e de combate).
b/ Exista a atitude reaccionária « usual » para a
qual o mundo de antigamente, no tempo da sua juventude, valia mais do que os tempos actuais.
c/ Existe a atitude reaccionária « segregativa »,
hostil a evolução e favorável aos costumes antigos, essencialmente para reduzir as vantagens e as libertades do povo, e aumentar os seus benefícios.
d/ E existe o pessimismo utilizado pela perversão narcÃsica para justificar os abusos que inflige aos outros. Encontramos isso neste tipo de conversa: « o homem é um lobo para outro
homem e será sempre assim », ou « o homem é fundamentalmente mau » ou ainda « se não pisas os outros, és tu quem vai ser pisado ». A moral e a realidade humana mostram
o contrário. A maior parte dos homens são cordeiros
para os outros homens. São raros os « lobos » da
humanidade, e esses apoiam-se justamente nessas anti-morais para
justificar as suas atitudes e acções. Em resumo, a maioridade humana está do lado do optimismo quanto ao futuro
humano. Em relação a menoridade pessimista, essa também trabalha, de forma indirecta, para a evolução
positiva da humanidade.
O pessimismo como motor
« Não sou capaz de conceber integralmente aquilo que sou. O espírito será assim tão estreito para poder conter-se à ele próprio? é sobre mim
mesmo que me esgoto. Tornei-me, para mim próprio, uma terra
de dificuldades e de suores opressivos. » Santo Agostinho Existem
várias maneiras de conceber o mundo: à medida de algumas gerações à volta da nossa,
ou à escala da história da humanidade inteira. Sob a estreita visão
de algumas décadas, a violência
humana e as regressões pontuais podem deixar pensar
que o mundo não faz sentido, ou que evolui para pior. Esse sentimento desconfortável obriga grande parte dos
homens a lutar contra as atitudes reaccionárias, egoístas e regressivas de certos sistemas, obrigando-os assim a evoluir. Na
realidade, apesar de existirem efectivamente períodos pontuais de insustentável barbárie, de egoísmo
cruel e de enfraquecimento ético e moral – os
exemplos não faltam há mais de um século – à escala
da história e globalmente, a humanidade não cessa
de melhorar. A espécie humana não está cada
vez pior, o homem é que se torna cada vez mais sensível
ao mal sofrido pelos seus semelhantes. A evolução
da nossa espécie inscr-se num mecanismo de progresso
auto-gerido e auto-fecundante. A partir do momento em que o
Homem inventou os interditos e lhes permitiu progredir, o mal
ficou aprisionado num sistema
que o
condena a regredir sem cessar até desaparecer por completo. A
mecânica é simples: a/ O mal exprime-se, transgride a moral e os interditos, provocando sofrimento,
b/
A lei interpõe-se,
faz diminuir certos comportamentos, e isso dá pouco à pouco
mais segurança à sociedade.
c/ A humanidade, cada vez mais segura, desenvolve a sua sensibilidade
humana, a empatia, o CONFORTO e o receio de o perder.
d/ O desejo de ganhar mais paz e mais segurança traz novas protecções, novas leis, e novos sistemas de protecção.
e/ Quanto mais a segurança e a paz aumentam na sociedade,
mais a sensibilidade do ser humano se desenvolve.
f/ Quanto mais a sensibilidade humana se desenvolve, menos o homem
aguenta o mal que sofre e o mal sofrido pelos seus semelhantes.
g/ Quanto mais sensível ao mal fica, mais exigente se torna
em relação à novas leis, ao reforço
da moral, da justiça, da igualdade, da educação, etc. Estamos mais uma vez perante um caso de « ASTÚCIA
da razão » cara ao Hegel:
A transgressão,
ao obrigar o ser humano a exigir cada vez mais leis e protecções,
elabora o conjunto dos instrumentos destinados à sua
própria
extinção. A nossa sensibilidade expansiva, ao
tornar o nosso confronto com o mal cada vez mais insuportável
e traumatizante, obriga-nos a lutar contra o mal sob todas
as suas formas até ao
seu total desaparecimento. O aumento da sensibilidade é então
uma condição
fundamental da nossa evolução.
regressão
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