A invenção cultural
Aunicidade do homem reside na sua particular adaptação biológica ao meio, adaptação que lhe permitiu adquirir a posição em pé, e depois, um desenvolvimento funcional do cérebro, processo único no mundo do ser vivo.
A sua evolução biológica seguiu primeiro o mesmo ritmo do que a sua evolução cultural: o seu ritmo biológico, que é da ordem do milhão de anos, foi pontuado por etapas paleontológicas do ramo humano (sivapiteco, pré-australopiteco, homo) e até ao estádio actual, sapiens, há cerca de 100 000 anos. O seu ritmo cultural est, no início, em sintonia com o seu ritmo biológico; foi marcado pela emergência das primeiras ferramentas entre 3 e 4 milhões de anos, dos primeiros sílexes talhados pelos 700 000 anos, pela descoberta do fogo pelos 400 000 anos, dos primeiros rituais funerários e da produção dos primeiros pigmentos coloridos há cerca de 50 000 anos. Depois, a sua evolução cultural acelerou-se a seguir à primeira glaciação.”
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Contrariamente ao que aconteceu relativamente à criação orgânica, a invenção cultural não está inscrita no genoma.
Disso resulta uma grande fragilidade: quando os primeiros missionários jesuítas chegaram à China na época Ming, opovo chinês tinha esquecido muitos dos conhecimentos que possuía na época Song: a perturbação dramática sofrida pela sociedade chinesa pelas hordas de Gengis Khan tinha derrubado a sua memória.
Resulta disso, no entanto, uma grande flexibilidade que se manifesta nas possibilidades adaptativas do homem.
A adaptação cultural do homem ao seu meio permitiu-lhe responder aos desafios ecológicos (devidos sobretudo aos períodos de seca e de frio extremo) que modificaram, de forma fundamental, o seu meio ambiente.
O homem conseguiu sobreviver adaptando-se ou fugindo para zonas ecológicas mais propicias.
A agricultura e a criação animal foram inventadas em resposta à uma pressão económica da população, quando a grande transformação ecológica pós-wurmiana já não permitiu a colheita e a caça.
Os têxteis foram inventados quando as peles dos animais se tornaram insuficientes para se vestir.
As descobertas e invenções do homem, permitiram continuamente colmatar as deficiências do meio.” Robert Bouchez e Claire Laurent – História dos costumes – A plêiade
Da natureza à cultura
O elo que falta, entre o macaco e o homem, somos nós.” Pierre Dac Como já repararam, nos capítulos anteriores, grande parte da nossa reflexão sobre a evolução humana utiliza a comparação entre aqueles à quem chamo os primatas naturais (ou seja, os primatas sociais vivendo sob as regras da natureza) e os PRIMATAS culturaIS (ou seja, o homem que vive sob as regras da cultura).
No primeiro capítulo (intitulado “comportamento”) vimos que a nossa espécie, comparada com os outros primatas, procura melhorar o comportamento do homem em relação aos seus semelhantes (universalização do inglês, do turismo, as trocas entre estudantes, a crítica do racismo, etc.). Neste capítulo, vamos estudar os pontos de evolução entre os primatas naturais e o homem, relativamente ao domínio do meio ambiente. O domínio do comportamento e do meio ambiente têm uma influência sobre a taxa de agressividade global da espécie. De facto, como escru Odile Petit em relação aos chimpanzés: “A vida em grupo vai colocar os indivíduos em situações de competição em relação aos recursos essências tais como a comida, a água, ou os parceiros sexuais. A agressão é a expressão dessa competição, contém um risco importante para cada um dos opostos potenciais.”
O domínio – ou mais precisamente a gestão – do meio ambiente (por outras palavras, a gestão dos recursos essenciais e a sua justa repartição pelo conjunto dos homens) torna-se então uma necessidade para atingir uma paz definitiva no conjunto humano (e hoje, podemos entender isso através do desperdício, não é uma questão de quantidade de recursos essenciais, mas sim de partilha, de justa repartição… então, é apenas um problema de aBERTURA de consciência). Porque, na realidade, essa gestão dos recursos essências, adquirimo-la. Por outras palavras, se nós quiséssemos, hoje, oferecer à cada ser humano o mínimo vital – alimentos, água – sem que ele estivesse sujeito ao princípio da competição, podíamos fazê-lo. Só que, se a agressividade humana ainda existe nos dias de hoje, apesar de termos os meios intelectuais e físicos de a ultrapassar, é porque corresponde à uma outra necessidade. Uma parte da resposta podia ser a coesão social, que parece que é mais forte nas sociedades primatas mais agressivas. “Podemos pensar – escr ainda Odile Petit – que a agressão terá consequências sobre a organização do grupo social, provocando, por exemplo, uma dispersão dos indivíduos.
Porém, em 1974, Nagel e Kummer constatam que os macacos cercopitécos, que são os mais agressivos dos primatas em termos de frequência de agressão, parecem apresentar as sociedades mais claramente organizadas.
A partir dessa constatação, podemos supor que a agressão é provavelmente um dos factores estruturantes da organização de um grupo social.” Então, no meu ponto de vista (e parece-me que é o que sobressai do estudo etológico de Odile Petit) é mais a capacidade em gerir a agressão que constitui o instrumento estruturante, são as atitudes superiores que derivam da agressão – reconciliação, consolação, perdão – que reforçam, no final, a coesão do grupo.
Da cultura à serenidade
Boa é acçao que nao traz nenhum arrependimento e cujo fruto é acolhido com alegria e senidade Buda I Parece que ainda haja várias forças que trabalham para a evolução da humanidade. Algumas parecem puxar a humanidade para trás, outras empurram-na para a frente.
Na realidade, o conjunto dessas actividades “negativas” e “positivas” melhora progressivamente o nosso comportamento e a nossa adaptação ao meio. Por exemplo, apesar da sociedade actual estar sob a influência do todo-poderoso mercado e dos dominantes que trazem stress e angústia ao ser humano e lhe tiram qualquer substância, ao dominarmos cada vez melhor o nosso meio ambiente, aumentamos paralelamente a nossa capacidade em aceder aos estados de serenidade, de sossego, de tranquilidade de espírito. Não parece fácil, medir de forma correcta, os benefícios trazidos pelo progresso ao sossego, na medida em que também traz inconvenientes. Entre a Idade Média ou o século passado e a época actual, o conforto doméstico progrediu imenso na maior parte do mundo. As nossas casas estão cheias de utensílios que nos permitem poupar tempo, energia, saúde, etc. Porém, essa multiplicação de novos objectos traz, paralelamente à esse sossego, uma multidão de novas preocupações, uma quantidade de pequenas contrariedades. Mas, apesar de qualquer comparação poder ser apenas subjectiva, apesar de não conhecermos suficientemente a modo como os grandes macacos apreendem o mundo, os nossos pequenos constrangimentos não tem nada a ver com as obrigações e os perigos contra os quais tem de lidar os primatas naturais. Se ficarmos pelas condições de vida prática entre natureza e CIVILIZAÇÃO, pelas dificuldades particulares ligadas aos dois modos de existência e pelos problemas resolvidos pela humanidade, a vida humana parece verdadeiramente preferível. Mesmo assim, podemos obter uma pequena indicação do interesse do conforto e do domínio do meio ambiente, apoiando-nos sobre as aspirações humanas. A tendência espontânea do homem não está orientada para um regresso ao tribal, ao nomadismo, à vida da selva; a maior parte dos seres humanos, pelo contrário, desejam, quando vivem em sítios onde não há conforto, estar em zonas mais citadinas. É por essa razão que, desde sempre, os indivíduos migram, quando o podem fazer, da tribo e da aldeia para a cidade. Os seres humanos vivendo em países com pouco conforto, desejam, para eles e para os seus filhos – e isso é completamente compreensível – imigrar para países que dispõem, pelo contrário, de tudo que há de melhor na área do progresso. Visto assim, os animais dos jardins zoológicos (se supomos que são bem tratados) ou os primatas que estão ao cuidado de Odile Petit, por exemplo, seriam mais felizes do que os macacos em libertade... e o Washo foi o mais feliz de todos. Visto assim, ainda, as organizações que militam para recolocar os animais selvagens em plena natureza, pelo bem da causa animal, e os ecologistas que lutam para reintroduzir predadores das zonas onde desapareceram, cometeriam, sem dúvida, um erro. Os predadores, como nós, preferem sem dúvida ser acarinhados e alimentados em vez de ter de caçar. Estariam a opor-se, realmente, à uma aspiração geral do ser vivo, à aspiração de desejar naturalmente sempre mais conforto, mais sossego, mais serenidade.
Comparação das condições de vida
Isto tudo d obviamente ser discutido. Em todo caso, podemos medir algumas vantagens interessantes do progresso entre o ser humano e o primata natural:
- Primeiro, existe a contribuição obrigatoriamente dada aos predadores pelos nossos primos macacos, e que, relativizada à população humana é sem dúvida consequente.
- Depois, existe a impotência, para os outros primatas, de se proteger de forma correcta das grandes catástrofes climáticas (seca, incêndios florestais, dilúvio, etc.).
- Depois, existe a sua vulnerabilidade perante ferimentos e doenças.
- Existe também a sua incapacidade em deixar o seu confinado obrigatório num dado local geográfico.
- Finalmente, a sua esperança de vida é globalmente menos importante do que a do homem.
Pelo contrário, o homem, com o seu domínio do meio ambiente:
- Conseguiu libertar-se quase totalmente dos predadores.
- Aprende cada vez melhor a proteger-se dos caprichos do clima.
- Fica cada vez menos vulnerável aos ferimentos e às doenças.
- Pode viajar sem constrangimento sobre a maior parte do planeta (e quando não é o caso, é por causa das guerras iniciadas pelos dominantes).
- A sua esperança de vida está sempre à aumentar
- As relações inter comunitárias ganharam constantemente mais envergadura, passando da tribo à cidade, ao país, à nação, para hoje abordar a universalidade.
Para medir de forma correcta o interesse que há em gerir sempre melhor o nosso domínio do meio ambiente, temos de nos projectar num tempo onde essa gestão terá atingido a sua perfeição, ou seja um tempo em que o progresso já não será uma obrigação para o homem.
Na minha opinião, é para esse tempo que estamos a ir.
2001
pessimismo
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