Filosofia de Jankélévitch
Toute la ruse des bonnes consciences revient à donner aux pauvres comme une gracieuseté, ce qui lui est dû comme un droit. Vladimir Jankélévitch
Para ilustrar a nossa reflexão sobre o progresso da humanidade (progresso em relação ao controlo progressivo do seu COMPORTAMENTO) segue um br texto de Vladimir Jankelevitch a partir do qual vamos dissertar um pouco:
A nível dos costumes, do direito, das penas e do procedimento, um progresso contínuo é perceptível. Os nossos costumes são cada vez mais flexíveis, a nossa justiça cada vez menos bárbara. Tudo aquilo que é quantificável é susceptível de melhoria.
No ano 3000, muitas práticas desumanas terão desaparecido. A mulher já não será utilizada como um brinquedo ou um instrumento de prazer, a pena de morte será abolida há muito tempo em todo lado e até nos questionaremos sobre como a morte legal pôde ter sito inscrita nos códigos; talvez até, os bens tendo-se tornado tão abundantes, já não vamos ter a tentação de os roubar aos nossos semelhantes, o desinteresse será talvez a mais banal e a menos meritória das virtudes.
O interesse próprio ganhará então outras formas: ainda haverá mentirosos, presunçosos e egoístas!
Mas o egoísmo será mais subtil. O super-homem, ao regressar duma viagem as estrelas, estará vaidoso e mesquinho como qualquer um, enganará a esposa, fará sofrer o seu semelhante.
É que a consciência é retorcida, infinitamente; o homem, dotado de consciência, não pode não tomar consciência dos seus poderes clandestinos para enganar, da impunidade que lhe assegura o anonimato e o segredo das suas intenções. Estas frases do filósofo Jankelevitch permitem-nos medir a extensão do campo de reflexão ocupado pela filosofia. A moral fica sempre com a última palavra.” V. JankelevitchA sua envergadura excepcional permite-lhe mergulhar na psicologia, mas também projectar-se no futuro e ir buscar todas as substâncias necessárias as suas ANÁLISES. Porém, se eu concordo plenamente com a primeira parte dessa projecção teleológica do filósofo, a parte que afirma a existência de um progresso a nível dos COSTUmes humanos, da JUSTIÇA, do DIREITO, das PENAS e dos procedimentos, a sua conclusão parece-me, no entanto, antagonista. De facto, se, como pensa Vladimir Jankelevitch, a evolução leva o homem ao desinteresse pelo objecto (e pelo sujeito considerado como objecto) se a humanidade consegue alargar esse “desinteresse” a toda a espécie humana, então, qualquer interesse pessoal será, assim, apagado. Se, pela abundância de bens, o objecto chegasse a perder a detestável vocação que fazemos dele desde sempre (marcação da classe social, da hierarquia, bugiganga marca casta) e encontrasse finalmente o seu verdadeiro lugar, ou seja o seu lugar de simples utensílio ao serviço do bem do homem, então, livrava-se de toda a sua carga “negativa”. e assim, se não tivéssemos mais nada para invejar aos outros, a cupidez, a venalidade, o egocentrismo, desapareceriam de forma natural e positiva. Já não seriam precisas as mentiras, a vaidade, o egoísmo, a presunção ou a mesquinhez porque o próprio do desinteresse seria aniquilar todas essas reacções primárias, aniquilar tudo aquilo que as faz existir, ou seja, eliminar o desejo, o ORGULHO, o narcisismo e o JULGAMENTO. A conclusão do grande filósofo também não considera, a meu ver, todos os parâmetros que inclui o nosso destino: Primeiro, a evolução da humanidade não tem data de conclusão. Basta então adicionar vários milénios de evolução humana depois do ano 3000 (data sobre a qual se apoia o filósofo no seu raciocínio) para que a sua frase “muitas práticas desumanas terão desaparecido” se torne “todas as práticas humanas terão desaparecido”. Depois, quando Jankelevitch destaca, justamente, o lado retorcido da consciênciahumana e a “impunidade” que lhe assegura o segredo das suas intenções, ele também se esquece, pelo que me parece, do prodigioso desenvolvimento das ciências humanas (psicologia, sociologia, PSICANÁLISE). Essas ciências, de facto, iluminam pouco a pouco todos os recantos escuros do nosso espírito. E é de facto a obscuridade do nosso espírito (obscuridade cujas vítimas também somos) que permite à luta interna entre as pulsões e a moral de estar frequentemente a favorecer as pulsões capazes de fazer “sofrer o nosso semelhante”. Por outro lado, se como o diz Jankelevitch, a humanidade elimina progressivamente as suas práticas desumanas, é impensável que ele possa cessar esse trabalho antes de o ter terminado. Como é que se pode imaginar, de facto, que os nossos descendentes possam aceitar uma parte de “inumanidade desculpável”, de “abuso tolerável” sem os combater?
Então, ano após ano, século após século, o rolo compressor de pulsões abusadoras vai continuar e crescendo, até ao aniquilamento completo da capacidade humana em maltratar e em abusar o seu semelhante. Enquanto persistir um vestígio de injustiça, de maldade, de desigualdade, certos homens oferecerão a sua existência para os combater. E finalmente, a projecção de Jankelevitch também não considera a explosão demográfica – fonte de angústia para algumas pessoas – mas também, e sobretudo, responsável pela aceleração prodigiosa e exponencial de todos os progressos humanos. Motivada pelo numero de cérebros em acção, a criatividade, a reflexão, o conhecimento, a educação, o poder de análise e de síntese, a capacidade de crítica e de mudança progride à um ritmo vertiginoso.
E esse conjunto de faculdades desenvolve a nossa consciência e a nossa sensibilidade, duas das grandes faculdades capazes de vencer as nossas práticas desumanas.
2001
robotização
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