A ideia de progresso
tecnologia e meio ambiente
A tecnologia ajuda a evolução humana
Sem progresso, não há paz possível. Sem paz, não há progresso possível.” Kofi Annan
Para desenvolver, de forma correcta, a nossa teoria segundo a qual a humanidade está destinada a atingir a sua perfeição, temos de nos confrontar com uma noção ainda muito frequentemente contestado pela filosofia moderna e contemporânea: a do progresso.
O conceito de progresso contém a ideia de alteração, de movimento positivo para um estado superior. Implica então um julgamento de valor. Também supõe uma reflexão sobre o destino futuro desse progresso, sobre a sua finalidade.
Esses dois pontos, julgamento de valor e antecipação do futuro, ultrapassam logo o estrito conhecimento seguro e racional das coisas. Por outras palavras, o progrèsso sai dos limites estritos da ciência e das filosofias fundados sobre métodos cientÃficos – o sábio é um “desconfiado” que põe de lado tudo aquilo que não for demonstrado como verdade – escru Blondel.
É completamente legítimo que a ciência se esforce para ficar no mesmo nível do que a experimentação e do fenómeno. É completamente normal que uma parte da filosofia adopte esse ponto de vista cientÃfico.
Porém, essa não d tornar-se na regra da filosofia. De facto, a envergadura do pensamento filosófico ultrapassa os estritos limites da ciência, na medida em que abrange o horizonte dos conhecimentos exactos, e o da religião.
Por outras palavras, a filosofia estende-se desde o conceito fenomenal até ao transcendental, de Deus até a ciência.
A necessidade de um sentido
Aquilo que dá um sentido a vida, dá um sentido a morte.” Antoine de Saint Exupéry
O mundo não pode ser reduzido aos fenómenos, a simplicidade das aparências.
Até a ciência concorda com isso quando se vê confrontada ao lado “incompreensível” da matéria, aos limites impensáveis, ao evanescente conceito do tempo…
Ao abrigar-se na área dos fenómenos, a ciência, bem como a filosofia racionalista, não podem fornecer um sentido verdadeiramente “hidratante” a humanidade.
Essas duas formas de conceber o mundo deixam então o homem desarmado perante as suas maiores interrogações:
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O que há depois da vida
- O que foi que criou o mundo?
- Porquê que o mundo foi criado?
- Para que serve a existência humana?
- Para que serve viver se temos de morrer?
- Porquê que eu havia de agir com moral se o mundo não faz sentido?
- Etc.
Se juntarmos a esse vazio filosófico a desacreditação progressiva das grandes religiões pelo materialismo, e se essas religiões, por não se “actualizarem”, nos afastam pouco a pouco dos seus espaços de reconforto, então é normal que uma sociedade se encontre confrontada com o problema do absurdo.
De facto, perante um mundo vazio de sentido, o homem tem de se desenrascar como pode:
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Alguns utilizam essa depreciação moral para abusar sem complexos os seus semelhantes. Isso explica a incrível subida, no mundo industrializado, das delinquências de todo o tipo e das transgressões resultantes de pulsões – comportamentos que se alargam pouco a pouco ao mundo inteiro.
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Outros, procuram reconforto em pseudo espiritualidades.
- A maior parte, enfim, aceita afogar as suas questões existenciais tal como pede a sociedade, ou seja através diversas vÃcios (trabalho, shopping, jogos, televisão, etc.). Essa maior parte, vulnerável, aceita a “arte de viver”, inculta e superficial, imposta pelo mercado através dos programas televisivos.
Os pontos de vista anti-progresso
Vários pontos de vista opõem-se, à sua maneira, ao conceito de progresso.
- Primeiro, existe a ideia muito comum segundo a qual “era muito melhor antigamente”. Trata-se, na maior parte do tempo, de uma reacção natural das idades em que a nossa elasticidade de adaptação enfraquece (para comparar, o ex-dominante primata, vencido pelo seu pretendente, d pensar a mesma coisa…).
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Depois, existe o problema da presença do mal: genocídio, escravidão dos seres humanos, tortura, massacre, guerra, todos esses “escândalos” capazes de tornar absurda a criação, de fazer duvidar da existência de um progresso, se não entendemos o seu sentido. Porém, toda essa violência tem explicação, e é o que vamos esclarecer no capítulo sobre o mal, para o qual pode reencaminhar-se para mais detalhes.
- Finalmente, existe a utilização errada do conceito de progresso, explorado por certas pessoas para alimentar narcisismos com alimentos tão absurdos que indigestas. É o caso de uma certa forma de pensamento ocidental (bem divulgada, há varias décadas, por certos jornalistas*) para quem o Ocidente, por ter atingido um grau de potência técnica inigualável, seria qualitativamente superior a todas as outras culturas. Levi Strauss escru a esse propósito: “O Ocidente, mestre das máquinas, testemunha de conhecimentos muito elementares sobre a utilização e os recursos desta máquina suprema que é o corpo humano. Nesta área, pelo contrário, bem como na área conexa das relações entre o físico e o moral, o Oriente e o Extremo Oriente possuem um avanço de vários milénios sobre o Ocidente; produziram essas vastas ferramentas teóricas e práticas que são o yoga da cidade, as técnicas do sopro chinês e a ginástica visceral dos antigos maoris.”
* Basta ver o pouco caso feito pelo mídias de massa aos seres humanos que vivem nos países subdesenvolvidos, para medir o tamanho do narcisismo que circula nesses mídias. Obviamente, nenhuma “escada do progresso” pode ser estabelecida entre as civilizações, as sociedades, os grupos humanos. O que se ganha de um lado, perde-se do outro lado. 1/ Progresso técnico De facto, muito frequentemente, o progrèsso técnico realiza-se em detrimento do espiritual, do equilíbrio mental, do auto domínio, ou dos grandes valores humanos tais como o altruísmo, a humildade, a partilha, etc. Pelo contrário, o rigor espiritual trava frequentemente a progressão dos grandes valores sociais tais como a igualdade da mulher, a libertação do operário, etc. Apenas podemos falar de progresso à nível da humanidade inteira e ao nível do ser vivo no seu conjunto. 2/ Progressos do ser vivo
Relativamente aos progrèssos do ser vivo, se nos basearmos em dados cientÃficos actuais que determinam o início da vida a partir da ligação de algumas moléculas, podemos falar de um progresso que parte do simples até ao complexo, da unidade até a diversidade da imobilidade, até a deslocação, ao reflexo, a razão, etc.
3/ Progressos da humanidade A nível dos progrèssos da humanidade, é possível estabelecer uma lógica de progresso, se comparamos as condições de vida entre os primatas naturais que éramos e os primatas culturais em que nos tornamos. A acumulação dos nossos conhecimentos progrediu. O domínio da ferramenta progrediu, o número de ferramentas progrediu. A complexidade e a diversidade da nossa linguanem progrediram. A diversidade e a complexidade dos nossos interditos progrediram. A envergadura dos nossos deslocamentos progrediu. A complexidade da nossa medicina progrediu. O domínio das nossas pulsões progrediu. O nosso número de relações sociais progrediu. A complexidade das nossas organizações sociais progrediu. A complexidade da nossa moral progrediu. A capacidade em se projectar para o futuro progrediu. A extensão dos meios para EXPRIMIR as nossas emoções progrediu.
Os instrumentos para exprimir a nossa criatividade progrediram. A nossa relação com a estética, com a beleza, progrediu, etc.
A perversão da tecnologia
A perversão da cidade começa pela fraude das palavras” Platão Não é a tecnologia que coloca um problema perante o homem, é sim o próprio homem, quando utiliza a tecnologia para maltratar os seus semelhantes.
Desde o aparecimento do objecto, a mistura pulsões/progresso desvia a tecnologia para finalidades agressivas, ou utiliza-a de forma abusiva. A força das pulsões (dominação, poder, atitude de clãs, egocentrismo, racismo, medo, agressividade) impede a consciência e os contra poderes de ter o seu papel de protecção e orienta assim uma parte do progresso tecnológico para aquilo a que poderíamos chamar o “mal”. Esse mecanismo é inerente a nossa metamorfose. Resulta da transformação do pequeno grupo de primatas naturais que nos éramos em humanidade consciente para a qual nos encaminhamos. Esse desvio do progresso com finalidades abusivas durará enquanto a consciência não se terá imposto sobre as TENDÊNCIAS. Por outras palavras, durará enquanto a sociedade não estiver dotada de protectores potentes, capazes de controlar o desejo natural de ser todo-poderosos de certos dominantes. Esse mecanismo é relativamente simples e estereotipado, ou seja, fácil de explicar. Encontra-se, por exemplo, na globalização: Quando a pulsão de dominação é todo-poderosa, precisa naturalmente de dominar. Dá então lugar a uma quantidade de subordinados e de rivais. Não se pode contentar com um sistema cooperativo ou comunitário que exige considerar o outro como um igual. A pulsão de dominação obriga então a considerar o estrangeiro como um ser inferior ou como um inimigo, ou como um cúmplice. Essa tendência é então capaz de construir um mundo sobre a base de Respeito mútuo e de competição respeitosa. instintivamente, essa pulsão vai limitar-se as regras mais simples: a competição feroz da natureza primata na qual o dominado d aceitar as suas obrigações de servidão, a sua obediência, sob pena de violência. Se o instinto de dominação não encontra nenhuma resistência, vai impor esse mecanismo violento como sistema geral.
Os abusos do mercado
Não sei o que é um homem, só conheço o preço dele.” Bertolt Brecht
Exactamente aquilo que aconteceu logo após a saída do comunismo.
Como os CONTRA-PODERES (mídias, intelectuais, etc.) não dispunham da distância necessária para perceber todos os mecanismos da pulsão de dominação e o poder corruptivo do mercado, deixaram esses novos dominantes desenvolver toda a sua potência, até esses tomarem o próprio controlo desses contra-poderes. Assim, o mercado possui os poderes e os contra-poderes. Então, a GLOBALIZAÇÃO estabeleceu-se sem contra-poderes e sob as regras da competição feroz. Esse tipo de competição minimiza os MEIOS em proveito dos FINS, ou seja a ética e a lei em proveito da vitória. Reduz a reflexão em proveito da surdez. Impõe também um princípio de rivalidade “sem piedade”. Reinstaura, enfim, os mecanismos da natureza, contrariamente aos valores espirituais e a cultura. Esse antiquado regresso ao inconsciente permitiu o desfalque de todos os países vulneráveis.
A surdez, do seu lado, pôs o planeta em perigo e permitiu a continuação dos conflitos. Esse tipo de evolução não deixa verdadeiramente lugar ao estudo das consequências, e aos sinais de alarme: apenas a estupefacção de uma catástrofe é que traz brutalmente de volta à realidade. A industria automóvel. Há mais de 40 anos, os riscos – devidos a poluição, ao trânsito, etc. – estão assinalados e entendidos. Um industria consciente do sentido da humanidade ter-se-ia reunido para estabelecer um consenso mundial que daria a prioridade à melhoria desses temas, sobre os quais estaria focada a maior parte da publicidade. A competição feroz e inconsciente, pelo contrário, esperou quase até que a situação tocasse o seu pior aspecto para começar a valorizar os veículos não poluentes, e a falar de transportes públicos. Esse tipo de competição primata alarga pouco a pouco as suas atitudes sobre a totalidade do planeta.
Essas atitudes invertem progressivamente os valores tradicionais da humanidade. Todos os sistemas correctamente espiritualizados a humildade louvam a humildade e a interioridade, o respeito do “frágil” e a protecção do “fraco”. O mercado, pelo contrário, excita o narcisismo, ou seja o não respeito pelo fraco, para adular aquilo que é considerado como superior (que é humanamente inferior na realidade). As vítimas do carvão ou do amianto, as vítimas - africanas, chinesas, americanas, europeias – da globalização foram directamente sacrificadas pelo autismo do sistema dominante. Foram sacrificadas por um psiquismo incapaz de ver o mundo que estima “subalterne” ou até mesmo “inútil”. Não foi o progresso tecnológico que matou os trabalhadores das minas, não foram as máquinas a vapor, a aparição do aquecimento, mas sim o narcisismo e o seu gosto pelo poder e pela competição feroz. É a competição feroz que aumenta a distância entre a tomada de consciência dos perigos inerentes a qualquer nova tecnologia e o estabelecimento da resolução desses perigos. É o desejo de poder que permite aos homens comprometer o seu país com despesas descomunais para a pesquisa militar em vez de dedicar esse dinheiro para a paz e o desarmamento.
São as pulsões de ódio que permitam aos homens autorizar a invenção, a venda e a utilização dos sádicos instrumentos da guerra, como as minas anti pessoais.
Um progresso será observado quando houver, em frente a cada poder, contra-poderes e autoridades justas e incorruptíveis, capazes de obrigar os dominantes a conformar-se em absoluto a ética moral humana. Daremos um grande passo para a frente quando percebermos verdadeiramente os mecanismos psicológicos que bloqueiam a emergência de métodos de evolução respeitosos.
A tecnologia protectora
Aquilo que faz o homem, é a sua grande faculdade de adaptação Platão
“Algumas pessoas dão um valor bastante geral a noção de progresso, explicando que a área da potência técnica está em definitiva ao comando de todas as outras áreas da cultura humana. É assim que o desenvolvimento geral da produção, por um lado, e a eficácia continuamente crescente das técnicas médicas e cirúrgicas, por outro lado, assegura a um número de homens cada vez maior, mais hipóteses de sobrevivência.
Estatisticamente, a idade média de falecimento recua, e esse simples facto torna-se obviamente um critério universal de progresso, difícil de contestar porque se cada um de nós quer fazer algo da sua vida, primeiro, pelo menos, há que viver (para negar esse progresso, haveria que pressupor que o nada é superior ao ser).
O aumento geral da produção industrial dá a um número de homens cada vez maior a possibilidade de aceder aos lazeres, a reflexão, ao conhecimento, as alegrias artísticas. E é sem dúvida, porque o progresso técnico é a condição de todos os outros que hoje, todos os povos adoptaram as ciências ocidentais, e seguem um esforço de industrialização. O desenvolvimento da potência técnica tornou-se, ao que parece, um critério universal de progresso.” Denis Huysmans e andré Vergèz – “Nouveau cours traité de philosophie”,1974 A mistura pulsão / progresso, como acabamos de ver acima, provoca um grande sentimento de insegurança e de perigo no mundo. Ao mesmo tempo, este novo amalgama: sentimento de insegurança / desenvolvimento do progresso – incita o homem a inventar novas astúcias técnicas e legislativas para se proteger dessa utilização abusiva e perigosa. Os “acidentes” do progresso obrigam incessantemente a humanidade a encontrar novas astúcias para remediar e corrigir todos os desvios inerentes ao incorrecto domínio desse progresso. Meios de vigilância, simulação de riscos, comissão de controlo, organização de cidadãos, etc. constituem frequentemente as reacções reparadoras perante a utilização abusiva, temerária e egoísta do progresso pelos poderosos (a finalidade última e escondida deste excesso de vigilância do sistema sobre os indivíduos, não é a privação de libertade, uma vez que esta é apenas a sua consequência, mas sim o domínio absoluto pelo homem das suas tendências agressivas. Nesse sentido, a evolução do progresso técnico adiciona-se a evolução do direito no extenso trabalho de compressão progressiva dos nossos instintos transgressivos). O raciocínio é o mesmo com os valores liberais. a/ Por um lado, a sua relação com a libertade liberta pouco a pouco as morais tradicionais dos seus arcaísmos e das suas hipocrisias. b/ Por outro lado, provocam um regresso a competição feroz, uma diluição dos valores sociais, uma maior e extensa violência, e um desejo de transgredir cada vez mais irrefreável. Obviamente, essa maneira de evoluir, utilizando o negativo, não corresponde à s nossas ASPIRAÇÕES mais sim à s nossas pulsões. Demonstra o real grau da nossa evolução. Se tivéssemos escolha, preferíamos sem dúvida uma evolução reflectida, interdependente, PACÍFICA e FRATERNAL. Preferíamos por em comum o conjunto das nossas energias e a riqueza das nossas diferentes culturas para aceder rapidamente a um domínio são e duradouro do nosso meio ambiente. Então, conseguiríamos, sem dúvida, extrairmo-nos do princípio de dominação / SUBMISSÃO e de DESTRUIÇÃO / REconstrução com os quais ainda temos de lidar.
Porém, essa ainda não é a nossa realidade e se é isso que queremos, espera-nos muito trabalho e muita paciência.
2001
sentido |