Ciência sem consciência
O começo de todas as ciências é o espanto de que as coisas são aquilo que são. Aristóteles
LA ciência como escru Jacques Ellul, está mais baseada sobre a especulação e sobre a reflexão abstrata e encontra a sua aplicação na técnica. A partir daí, é difícil dissociar essa prática do mundo tecnológico e industrial e da ideia de progrèsso.
Essa é sem dúvida a razão pela qual a relação que existe entre o homem e a ciência é relativamente ambígua. Sabemos o que a nossa saúde, a nossa longevidade, a nossa compreensão do mundo lhe d. Esperamos as suas descobertas e os seus esclarecimentos dão frequentemente poderosas esperanças.
Porém, os seus erros, os seus “casamentos falhados” (com a venalidade ou com a indústria do f por exemplo) os seus Mister Hyde por assim dizer, apresentam também muita coisa a recear.
a/ A perda de libertade Certos filósofos, ao mesmo tempo que consideram globalmente o progrèsso de forma positiva, estimam os seus inevitáveis erreursos como pontos negativos. Essas críticas são fundamentais para o aperfeiçoamento da humanidade, apesar de serem injustas no fundo (porque a negatividade do progresso é apenas o resultado de certas pulsões humanas, e então são as pulsões que há que tratar). Parece-me que encontramos (mas não conheço bastante bem a sua obra para ter a certeza disso) esse dualismo no trabalho de um filósofo como Herbert Marcuse por exemplo. Segundo ele, o desvio das pulsões traz o progresso que se torna criador de civilização. Porém, para o filósofo de Berlim, a parte positiva trazida pelo progresso é mais uma ilusão do que uma realidade na medida em que os benefícios trazidos trazem paralelamente uma perda de libertade individual.
Se partilhássemos o procedimento de pensamento de Herbert Marcuse, a nossa diferença em relação ao filósofo da escola de Frankfurt seria que colocávamos a perda da libertade individual do lado positivo. De facto, pensamos que a perda progrèssiva de libertades individuais, à medida em que aumenta o nível de progresso, é uma bênção para a humanidade, na medida em que ela inclui a perda da libertade de se realizar em detrimento dos nossos congéneres, esse antigo reflexo natural do qual dmos progressivamente separar-nos para evoluir para a paz e a universalidade (falamos sim de uma perda de libertade progressiva resultante da presença cada vez mais forte do progresso no dia a dia).
De facto, como já vimos na reflexão anterior, sob um certo ângulo, o desenvolvimento técnico estimulado pela ciência restringe o homem nos seus movimentos. Obriga-o a dominar certos dos seus actos, a conter a sua natureza e as suas pulsões e veda-lhe assim certas libertades. Mas a tecnologia não é o único mecanismo a trabalhar na lenta compressão das pulsões e das libertades individuais. Esses mecanismos, estabelecidos desde a nossa saída do reino da natureza, utilizam também os tabús, a lei, a moral, a educação… O seu objectivo final é de comprimir progressivamente as libertades primatas para instalar no seu lugar as verdadeiras libertades humanas. b/ A perda de controlo Outros filósofos receiam, quanto ao progresso cientÃfico, a possível perda de controlo sobre coisas que nós próprios criamos, de tanto ter brincado aos feiticeiros. Mas as intenções das invenções humanas são apenas o reflexo das intenções humanas, terão sempre as intenções que o homem quererá dar-lhes. e assim, se o homem, como nós pensamos aqui, vier ao cabo das suas más intenções, ele conseguirá então trazer um progresso perfeitamente orientado para o bem da humanidade. c/ Os perigos do mercado Outros pensadores, finalmente, estimam a aliança entre cientÃficos e indústrias relativamente perigosa. É óbvio que um escândalo ou mais precisamente uma inconsciência, como aquela que conduziu certos cientÃficos a inventar para a indústria bovina alimentos a base de carne no intuito de multiplicar a massa corporal dos ruminantes, dá uma imagem negativa do meio cientÃfico. Quando, por outro lado, os acidentes se multiplicam sem que permitam uma verdadeira tomada de consciência do meio cientÃfico sobre os riscos e que nos encorajam a obedecer a lei do mercado enquanto é evidente que vivemos sob uma espécie de espada de Dâmocles em permanência apontada para a cabeça da humanidade…
Na ausência de uma verdadeira protecção, o casamento entre a ciência e um mercado totalmente insensato num mundo de competição feroz, só pode obviamente conduzir a certos problemas.
Contudo, esses problemas preenchem a história da humanidade e continuaram enquanto esta não terá aprendido a evoluir de outra forma do que por esse princípio de erro, de acidentes e de rectificação.
Ainda bem que a nossa aptidão em considerar os erros do passado para melhorar a nossa evolução parece desenvolver-se. A consciência humana parece querer retomar o passo sobre a inconsciência do mercado, dando finalmente a esperança de poder sair destes tempos de excessos.
A tomada de consciência dos perigos da poluição, o desenvolvimento da indústria ética, o número de investigadores decididos a dedicar-se a causas nobres, dá o tom e a esperança de um horizonte melhor. Se a ciência sem consciência é apenas a desgraça da alma, a ciência consciente, pelo contrário, é uma verdadeira riqueza para a humanidade.
A ciência; fundamental mas não primeira
Mesmo que possamos atribuir a PESQUISA cientÃfica a maior parte dos grandes progressos técnicos realizados pela humanidade desde a nossa saída do mundo animal, foi preciso a indústria para os realizar. A pesquisa por si só não teria nenhum sentido para a humanidade, se não foi concluída por um efeito. A ciência não é um objectivo em si, é uma ferramenta ao serviço do desenvolvimento intelectual, técnico, social, moral…. Nem o progresso faz sentido para si só. Não melhoramos a técnica por questões de estilo. A tecnologia é, antes de tudo, destinada a melhorar as condições de existência do ser humano. Todavia, a melhoria das condições de existência também não é um objectivo em si. Não melhoramos as nossas condições de vida para renova as nossas estatísticas ou para dar trabalho a sociologia. Se o homem procura em permanência modernizar a sua maneira de viver é sobretudo para poder SENTIR A vida cada vez melhor. A humanidade melhora em permanência as condições da sua existência, primeiro para aumentar progressivamente o seu património de boas sensações: felicidade, ALEGRIA, sossego, paz, TRANQUILIDADE… em detrimento das más sensações: sofrimento, TRISTEZA, preocupação, receio, ansiedade, DESESPERO…
É por isso que qualquer observação cientÃfica de um fenómeno, pela sua própria exterioridade à alma do fenómeno, encontra e encontrará sempre um limite no conhecimento da Verdade (com V grande).
Por exemplo, nem que pudéssemos descrever todos os procedimentos químicos e biológicos que estão em função no estado do desejo amoroso, isso não teria nada a ver com a sensação e o prazer tirado desse desejo amoroso. e apenas as repercussões dessa sensação (a PROCRIAÇÃO por exemplo, ou a espiritualidade) explicam porquê essa sensação extraordinária que é o desejo existe no ser vivo… A análise ou a descrição desse estado não é o objectivo em si. TEORIA, ANÁLISE, CONCEPÇÃO, OBSERVAÇÃO das coisas, são capitais para a humanidade. Porém, o objectivo final de todas essas PESQUISAS CONCEITUAIS é de melhorar o nível de sensAÇÃO da humanidade (cujo último escalão se chama: extâse). O homem tem necessidade e vontade de descobrir o que se passa realmente atrás dos fenómenos. De descartar progressivamente as formas ilusórias no olhar humano. De ultrapassar os reflexos atrás dos quais estão escondidas as mais profundas realidades. Esse desejo não está apenas destinado a perceber o nosso mundo mas também, e sobretudo, a fazer diminuir o nível de sensações dolorosas (receio, preocupação; angústia) ligadas ao desconhecido. O homem continuará então, até ao solucionamento completo, a esclarecer pela razão todas as suas interrogações metafÃsicas. Trabalhará sem descanso para perceber cientificamente o que é o absoluto, o infinito, o tempo, Deus, a MORTE. Trata-se aqui de uma das condições essenciais para que um dia ou outro, a humanidade, na sua totalidade, encontre o sossego e a paz. A ciência é então fundamental para livrar o homem das suas preocupações mas d perceber o seu sentido e manter-se no seu lugar.
Ciência, extâse e Deus
Para resumir, podemos dizer que existem duas formas de conhecimento: Uma delas é descritiva, observa as manifestações do exterior,
A outra é sensitiva, sente os fenómenos no interior, na sua intimidade. Cada uma está limitada de certa maneira, por falta da outra.
O conhecimento sensitivo, a partir do momento em que é relatado, torna-se intelectual e deixa o espaço da autêntica Verdade (que é sensaçao) Quanto ao conhecimento cientÃfico, apesar de colocar leis universais atrás das quais cada um se pode reunir, nunca atingira a Verdade da experiência real.
Os dois conhecimentos são antagonistas mas necessários à evolução humana. Más não nos enganemos, se as duas formas de conhecimento são necessárias à evolução humana, a análise cientÃfica é que está ao serviço do vivido e não o contrário. O verdadeiro destino de qualquer pesquisa é de aceder a felicidade, e não de descrever os efeitos da felicidade. Quando o homem procura perceber cada vez precisamente a matéria, o tempo, o infinito, não é apenas por curiosidade intelectual.
É sobretudo para nos libertarmos da estranheza dessas perguntas profundas e das preocupações que elas trazem (reparem que ao nos aproximarmos sempre mais do coração da matéria, da fÃsica, conseguimos confirmar a imaterialidade da mesma, validando assim a maior parte das intuições mÃsticas que consideram a incorporalidade do divino).
A Atmabodha, a Cabala, a Bíblia, o Corão, não foram escritos por puro efeito de estilo mas para permitir a aqueles que percebem neles o ensinamento fundamental sentir os seus efeitos.
Se a razão pode e d conduzir com sucesso o acto de conhecer, e se essa necessidade imperiosa de saber não pode cessar antes de ter esclarecido tudo, é sobretudo para nos livrarmos das angústias inerentes a ignorância.
Assim então, uma vez liberto de qualquer angústia, o estado de espírito da humanidade será obrigatoriamente o sossego, a paz e o amor.
Viver num espírito totalmente sereno e sossegado, dizem os SÁBIOS, traz uma sensação de felicidade intensa, uma sensação íntima e subliminal de amor e de verdade absoluta. Essa experiência sensitiva da felicidade absoluta também se chama extâse, nirvana, beatismo. Trata-se de uma sensação mÃstica. Segundo pensamos, essa sensação é a única experiência que permita aceder à uma compreensão total e autêntica do mundo profundo. É a única prática capaz de resolver por si só o conjunto dos questionamentos (por pura e simples dissolução das questões metafísicas). Segundo pensamos ainda, essa procura do extâse, corresponde à busca intuitiva de todo o ser humano, e por declinação, a finalidade humana.
2001
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